Celina Brod
As mudanças da vida e a injustiça na política
Celina Brod
Mestre e doutoranda em Filosofia, Ética pela UFPel
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Me sinto pronta para retornar ao Brasil. Isso não significa que esgotei os cantos e momentos aqui. Jamais conseguiria este feito, pois a mudança é a regra, não a exceção, o que faz o conhecido virar novo a cada instante. Por isso, Heráclito de Éfeso foi o meu primeiro amor, um pré-socrático que abraçou a mudança e a tensão entre os contrários como fontes da criação. Quando li seus aforismas não me sentia descobrindo algo novo, mas reconhecendo aquilo que vivia sem dar nome. Afinal, a mesma calçada faz nascer outras reflexões, os portões da universidade, os quais atravesso diariamente, contrastam com um céu diferente e as pessoas que reencontro comunicam afetos inéditos. Sei do que sentirei falta, o que me faz caminhar por aqui sem pressa, tentando reter na mente os pequenos detalhes antes de voltar para casa.
Vou sentir falta da presença da natureza nas ruas, por todos os lados há inúmeras árvores, flores e gramados que abrigam esquilos, coelhos e pássaros azulados. No final da minha rua há um rio com bancos para se observar o ritmo da água. Há também um bosque com trilhas em cima de uma colina, de lá é possível enxergar as pessoas remando no meio da tarde. Vou sentir falta do trajeto até a universidade e do movimento sereno das pessoas na calçada. Vou morrer de saudade dos cantinhos de estudos espalhados pelo campus e da biblioteca, meu refúgio de escrita e estudo. Sentirei falta da limpeza, organização e estética do centro, com ruas que abrigam prédios históricos em harmonia com a vida moderna. Caminhar sozinha a qualquer hora da noite, sem sentir meu coração palpitando de medo. Sentirei falta dos estudantes, cada um do seu jeito e nacionalidade, dividindo o mesmo espaço entre barulho e silêncio. Já sinto saudade das conversas que não terei e dos amigos que fiz.
Nas últimas semanas me afastei completamente da política, das picuinhas e das ideologias. Passei o olho rapidamente por algumas manchetes, sem deixar que a indignação contaminasse meu bom humor ingênuo. Eventualmente, tiro férias da realidade para me concentrar no quesito vida. Tratar a política como um fim e não como um meio é o início do derradeiro. É assim que pessoas começam a tratar crenças como fatos e andam por aí martelando axiomas políticos como se fossem salmos. Rígidas no único lugar em que se sentem seguras, seu ponto de vista, passando a confundir probabilidade com certeza e poder com reinado. Ao ler as notícias me sinto intencionalmente colocando o dedo na tomada, consciente do desagradável choque de realidade.
Desde Aristóteles, perguntas sobre a política e uma boa vida rondam as mentes inquisitivas. Pensar sobre elas requer examinar ideias que nos ajudem com regras de justiça; regras que buscam harmonizar interesse individual, bem-estar coletivo, direitos e deveres. Filósofos manipulam premissas para testar a capacidade de um princípio de promover justiça. Assim, alguns optam por maximizar o maior bem, outros pelo compromisso com os deveres ou pela promoção de virtudes e empatia. Porém, temos falhado em todas as ideias que nos aproximam de um sentido ideal de justiça. Diariamente são tomadas decisões que maximizam o bem de castas, que violam com o princípio da impessoalidade ou que promovem vícios e estimulam empatia partidária. Contrariando Heráclito, nossa política teima em uma essência imutável, uma política do atraso. Assim, faço as minhas aventuras de Poliana sem culpa, porque a vida, essa sim, passa e muda.
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